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A LEI DAS ESTATAIS E A CAMA DE PROCRUSTES

A Lei 13.303/16 veio em boa hora – de fato, até com atraso – e atende a um anseio do mercado e do público em geral em função, anseio este muito ampliado pelos inúmeros escândalos que assaltaram esse setor da administração pública.

De fato, é inquestionável a importância que têm as empresas estatais na economia brasileira. A adoção de boa governança corporativa por parte das mesmas é requisito essencial à boa gestão dos recursos públicos, a rigor patrimônio da população como um todo e, igualmente, favorece o desenvolvimento do mercado de capitais e da economia brasileira como um todo.

A despeito da sua importância e dos seus bons propósitos, é forçoso reconhecer que a Lei 13.303/16 foi pouco feliz em muitas das suas regras e princípios.

Por outro lado, a Lei 13.303/16, a despeito dos seus mais nobres propósitos, é, por assim dizer, demasiadamente casuística e, pode-se dizer, mesmo, datada.

É prática de muito disseminada a de reservar cargos na alta administração de empresas estatais, dentre outros órgãos públicos, para aliados políticos. Essas nomeações não visam, em absoluto, o melhor interesse da empresa estatal onde se faz a nomeação. Desavergonhadamente, se busca unicamente favorecer o indicado em termos de poder, prestígio e, pior, complemento de renda. Esses esquemas se tornaram tão corriqueiros que a imprensa informa, aberta e claramente, que o indicado para integrar a alta administração da empresa X foi selecionado pela bancada do partido Y no estado Z. Não há qualquer preocupação com o interesse da empresa e do patrimônio público e com o bom desempenho da pessoa indicada, o que, se vier a ocorrer, se deverá simplesmente do acaso.

Contudo, a Lei 13.303/16 enfrenta a matéria com mão pesada: por um lado, prescreve requisitos para os indicados, enquanto que, por outro lado, elenca situações que, se existentes, impedem dita designação.

A abordagem lembra a passagem da mitologia grega usualmente chamada cama de Procrustes, na qual as vítimas eram deitadas numa cama e, se o seu tamanho não coincidia com o dessa cama, tinha seu corpo esticado ou decepado.

A Lei 6404/76, prescreve a necessidade dos administradores em geral exercerem suas funções no melhor interesse da sociedade como um todo, ainda que indicados especificamente por determinado acionista. São repudiadas as situações de abuso de poder e de atuação em conflito de interesses ou no interesse do acionista e não no da sociedade, lato senso.

Tratam-se de regras evidentemente programáticas e confirmadoras de princípios gerais inquestionavelmente existentes.

A Lei 6404/76 adotou redação principiológica, o que, se, por um lado, dá a abrangência correta à norma, por outro, leva às mazelas da análise já no próprio caso concreto e a posteriori, o que não é simples nem fácil.

A Lei 13.303/16, por sua vez, aborda a matéria sem pretensões a sutilezas.

Como dito, por um lado, enuncia requisitos objetivos como necessários às eleições dos administradores. Por outro lado, relaciona situações de proibições, que, se existentes, obstam a eleição das pessoas em questão.

Os requisitos elencados na Lei 13.303/16 podem resultar em situações inusitadas. Por exemplo, a exigência de experiência prévia no setor obsta a prática comum de empresas buscarem se rejuvenescer trazendo líderes de outros segmentos e, portanto, com ideias novas para essa empresa. A Lei 13.303/16 frustraria a estratégia da fabricante de automóveis, a Ford Motors, de contratar para o cargo de C.E.O. – principal executivo - Alan Mulally, cuja carreira tinha se desenvolvido na indústria aeronáutica, na Boeing. Abstraindo-se o fato de se tratar de uma “start up”, a Microsoft tampouco poderia ter como C.E.O. o celebrado Bill Gates.

As proibições igualmente podem redundar em situações verdadeiramente hilárias: a presença de um político na família pode frustrar a indicação de um executivo, independentemente de ter esse malsinado parente qualquer vínculo com o referido executivo!

São os efeitos inevitáveis do estabelecimento de presunções absolutas da existência de conflitos e da imprestabilidade de quem não conta com experiência prévia.

A proibição pode resultar em afronta ao relevante princípio do direito ao trabalho, insculpida no art. 5º, XIII da Constituição da República e/ou o igualmente essencial princípio de que a pena não pode extrapolar a pessoa do delinquente, art. 5º, XLV, claro, admitindo-se o princípio adotado na Lei 13.30316 de que o exercício de ....., constitui prática passível de sanção.

Apenas a aplicação concreta das novas regras definirá qual a melhor, ou menos pior, abordagem: a adoção de regras abstratas e principiológicas, com definição a posteriori, ou então a tipificação concreta e específica, sem exame do caso concreto, com adoção da referida presunção absoluta.


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